Tive uma
angustiosa sensação de perda um dia desses. É que, sem pensar muito e
resolvendo na hora mesmo, mandei Luís Carlos, meu cabeleireiro, cortar os meus
cabelos bem curtos. À medida em que eram cortados e as mechas caíam mortas no
chão, eu olhava para o espelho e via como estava assustada com minha decisão. E
foi então que veio a noção de perda. Perda de quê? Ah, é tão antigo este
sentimento que se perde na noite dos tempos até atingir a Pré-História do
mundo: Mulher jamais corta os cabelos, porque nos cabelos longos é que está a
sua feminilidade. Inclusive, quando meus filhos eram menores, brincavam muito
com meus cabelos compridos, e um dia desses fui fazer uma visita e uma menina
de cinco anos resolveu, por conta própria, pentear-me toda e demoradamente. Foi
muito bom sentir que aquelas mãozinhas estavam tendo prazer. Resignei-me a ter
cortado, e me prometi que os deixaria crescer de novo. O que não impediu de, já
em casa, resolver o contrário: porque cabelos longos custam a secar, exigem
muito trato de escova, e precisa-se ir ao cabeleireiro para ficar embaixo dessa
tortura maluca que é um secador de cabelos. Com os cabelos curtos, lavo-os eu
mesma, fico um instante ao sol, e acabou-se. Mas surpreendi-me devaneando
assim: será que como Sansão perdi minha força? Não, não a força geral, mas
talvez minha força de mulher.
domingo, 24 de julho de 2011
sábado, 16 de julho de 2011
Um homem
Sua
inteligência absolutamente fora do comum de tão grande, a princípio me deixou
embaraçada. Tive que me habituar ao jargão da grande inteligência. É
normalmente sério, mas tem um sorriso ― não, não vou dizer que o seu sorriso
lhe ilumina o rosto todo. Mas, enfim, é a verdade. Ele não tem medo do
lugar-comum, o tal do não engajamento o leva a atmosfera de sua inteligência.
Esta muitas vezes usa sofismas, que são a astúcia de quem pode. Entendo-o não
com a cabeça, que não alcançaria a sua, mas com minha pessoa inteira. Aliás,
ele é uma pessoa inteira. Seus olhos muito negros não se desviam: ele não tem
medo de olhar os homens no profundos dos olhos. Dá vontade de sorrir com ele.
Se eu soubesse. Aliás, preciso me habituar a sorrir mais, senão pensam que
estou com problemas e não com o rosto apenas sério ou concentrado. Voltando ao homem:
quando ele diz “até amanhã”, sabe-se que o amanhã virá. Ele tem um ligeiro mau
gosto na escolha dos objetos de adorno que compra. Isso em dá ternura. Ele é
inconsciente de que eu o vejo tanto, não tantas vezes, mas tanto.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Futuro improvável
Uma vez
eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei
entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele,
exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo
ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará:
serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da
alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu
corpo, esse eu serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como
única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega
para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me
rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada
mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove.
Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como
explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto ― serei ainda eu,
horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma
solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de
“dois e dois são quatro” é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito
entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo
pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...
domingo, 3 de julho de 2011
Impulso
Sou o que se chama de pessoa
impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e
eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O
resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição
dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que nãos e
tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo
prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo:
se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria
ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob
o impacto de um impulso, já fiz a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido
impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem.
Vem, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada;
outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é
benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me
deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei
continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo
lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me
adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que
tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o
resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura o bastante
ainda. Ou nunca serei.
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