Estive em
contato com a feiúra dos ingleses, que é uma das coisas que mais atrai na
Inglaterra. É uma feiúra tão peculiar, tão bela ― e isso não são meras
palavras. Fazia muito frio, e o vento dava ao rosto e às mãos aquela
vermelhidão crua que torna cada pessoa extremamente real. As mulheres fazem
compras com as cestas, os homens da City usam chapéu-coco. E o Tâmisa é sujo,
tem lama. Já houve peste em Londres. Uma vez se incendiou a cidade inteira. A
peste e o incêndio estavam presentes na minha estada em Londres.
As
pessoas bebem café horrível, em xícara grande, mas o café fumega. Fumegante
como toda a ilha, cujas pontes enegrecidas surgem de quase constante névoa. O fog se exala das pedras do chão e
envolve as pontes.
As pontes
de Londres são muito emocionantes. Umas são sólidas e ameaçadoras. Outras são
puro esqueleto. Quanto aos ingleses, não são tão inteligentes. Mas a Inglaterra
é um dos países mais inteligentes do mundo. Estávamos de carro. Entre uma
cidade e outra, as cidadezinhas inglesas dão mil voltas em torno de si, e a
chuva fina cai nos vidros do carro. Na rua o povo usa roupas tão mal feitas que
terminaram se tornando um estilo belo. E agasalham mesmo. Vejo uma criança de
capotão escuro e meias grosseiras e capuz enterrado abaixo das orelhas, com o
rosto vívido e magro, olhos espertos e cara vermelha ― e aquela entonação pura
das vozes inglesas, interrogativas e orgulhosas.
Só agora
sei quanto amei o vento de Londres que me fazia os olhos lacrimejar de raiva e
a pele gritar de irritação.
E depois
tem as estradas, o campo inglês que é diverso de qualquer outro campo.
Lembro-me de árvores tão altas.
E depois
há o desejo de viajar de todo inglês ― e isso é um movimento inquieto e amplo.
No teatro
em Londres uma coisa essencial se passa. É de tremer de frio e de emoção: o
ator inglês é o homem mais sério da Inglaterra. Em poucas horas ele dá a cada
um aquilo importante que se perde na vida diária. Quando se sai, é a chuva
escura, a rua molhada, as velhas ruas inglesas onde de noite há o desejo de
perigo. Vai-se jantar. Uma comida péssima irrita, no restaurante de comida
tipicamente inglesa. Mas pode-se ir para um restaurante de comida alegre, dos estrangeiros,
em Londres mesmo.
Lembro-me
que houve Idade Média na Inglaterra, e isso está nas torres. A segurança de
certos ingleses chega às vezes a se tornar engraçada. Nas ruas andam depressa,
é um povo lutador. E se o mundo não fosse tão doloroso, seria bonito ver a luta
pela sobrevivência.
E depois
há a saudade dos escritores mortos. Tenho muita saudade de Lawrence.
A rainha
é suave, os jornais têm um jeito provinciano, e quando os ingleses e inglesas
são bonitos passam logo a ter uma extraordinária beleza. E a criança inglesa é
sempre linda, e quando abre a boca para falar, aí é que fica lindíssima.
Tudo isso
se chama saudade: procuro recuperar Londres na memória, nessas notas. E assim
fica apenas anotado, com a maior rapidez, antes que o sentimento passe.